A tele-reabilitação é definida como “o uso de serviços de reabilitação à distância usando as tecnologia de informação e comunicação (TIC)“ 1,proporcionando interação e partilha de informação de saúde entre o doente e o profissional de saúde. Podemos agrupar tele-reabilitação em dois tipos consoante o tipo de TIC usado – síncrona, em que existe partilha de informação instantânea ou em tempo real (ex. vídeo-conferência, via telefónica); ou assíncrona em que existe delay temporal entre o envio e recepção de informação, tecnologia de “store and forward information”(ex. Sistemas de mensagens, email, ferramentas educativas online ou novas tecnologias de wearables, ou realidade virtual)2
Na ultima década, com o desenvolvimento de novas tecnologias óticas baseadas em sensores que permitem a medição remota da movimentação do paciente, a tele-reabilitação física começou a crescer. Isto é evidente no número crescente de artigos de reabilitação apresentados em conferências de telemedicina.
As tecnologias (TIC) usadas na tele-reabilitação fisica assíncrona baseadas em sensores de movimento tem sofrido um crescimento nos últimos anos. Os sensores modernos, conhecidos como IMU (Inertial measurement unit) e que dispomos no nosso KIT médico, são objetos colocados em várias partes do corpo e que magicamente medem os movimentos do doente com capacidade de medição quantitativa de ângulos articulares no espaço. Um IMU moderno é composto por 3 unidades de medições: um acelerómetro 3D, um giroscópio 3D e um magnetómetro 3D. Explicarei noutro post como funcionam estas 3 unidades. Ao colocar o IMU ou sensor no corpo, este envia informação por bluetooth para o tablet, e o software reconstrói o movimento do doente permitindo a medição de ângulo(s) articular(es) e do equilíbrio, sendo portanto uma ferramenta útil na reabilitação músculo-esquelética.
Apesar de teoricamente a tele-reabilitação ser promissora qual é a evidência científica da eficácia e segurança na reabilitação de doenças músculo-esqueléticas? Para responder a estas questões exponho duas revisões sistemáticas com meta-análise.
Em 2017, Cottrell, A. et al , publicou no jornal Clinical Rehabilitationo artigo “Real-time telerehabilitation for the treatment of musculoskeletal conditions is effective and comparable to standard practice: a systematic review and meta-analysis” 3. Aprimeira revisão sistemática que demonstrou que a telesaúde é eficaz na melhoria da dor e da função físicaavaliada por questionários cientificamente validados. Foram avaliados 6 bases de dados, tendo sido incluído 13 estudos de acordo com critérios de elegibilidade destacando-se 1) idade >= 18anos, 2) diagnóstico primário doença músculo-esquelética incluindo doente pós-cirurgia (cervicalgia crónica, lombalgia não especifica crónica, gonartrose, pós-operatório de artroplastia da anca ou joelho ou hemiartroplastia do ombro); 3) tipo de tele-reabilitação realizado – incluido tele-reabilitação com TIC síncrona (vídeo-conferência ou telefone); 4) estudos randomizados ou não com grupos de controlo de fisioterapia convencional com ou sem programa de exercícios domiciliários.
Foram admitidos no estudo 1520 participantes com idades compreendidas entre 37,6 a 75anos. As intervenções variaram na duração de 4semanas a 1 ano. 6 estudos usaram plataformas digitais de vídeo conferencia e os restantes telefone.
Os autores concluíram melhoria estatisticamente significativa na função física – “when compared to a control cohort, a small-to-moderate, but signicant (p<0,001), effect can be seen in favour of telerehabilitation, suggesting that telerehabilitation is superior to conventional usual care with respects to physical function and disability”. A análise estatística dos subgrupos verificou que tele-reabilitação+fisioterapia tem resultados melhores que tele-reabilitação isolada, contudo a tele-reabilitação isolada tem resultados semelhantes que fisioterapia convencional. Adicionalmente verificaram que, independentemente da doença músculo-esquelética ou do tipo de tele-reabilitação prestado (isolada ou em conjunto com fisioterapia), houve uma melhoria da dor em todos os estudos, o que não deixa de ser interessante visto que os diferentes estudos analisados têm participantes com doenças variadas. Em doentes submetidos a artroplastia do joelho a tele-reabilitação por vídeo conferencia mostrou resultado comparáveis e não inferiores, à fisioterapia face-to-face.
Em suma, esta revisão demonstrou implicações clinicas importantes na reabilitação músculo-esquelética. Para doentes que não podem recorrer serviços de fisioterapia face-to-face, por motivos variados (por ex. obrigação de distanciamento social decorrente de pandemia, preferência do doente ou que vivam em locais remotos/rurais), a tele-reabilitação é uma opção terapêutica.
Contudo é necessário cautela adicional em extrapolar os resultados para qualquer patologia músculo-esquelética. É necessário mais estudos para suportar o uso geral de tele-reabilitação isoladamente na patologia músculo esquelética especifica, contudo em doentes submetidos a artroplastia do joelho os autores concluem que a tele-reabilitação é eficaz e equivalente à fisioterapia convencional – “there is however strong evidence to conclude that physiotherapy management via telerehabilitation for patients following total knee arthroplasty is eficcacious and equivalente do conventional face-to-face models of care with respects to the improvement of physical functions and pain”.
Outra revisão sistemática publicada em Dezembro de 2019 em open-access, na BMC (BioMedCentral) Musculoskeletal Disorders, “Technology-assisted rehabilitation following total knee or hip replacement for people with osteoarthritis: a systematic review and meta-analysis” 4,estudou a eficácia da tele-reabilitação em doentes submetidos a cirurgia de colocação de prótese do joelho ou da anca em contexto de osteartrose. Neste estudo, ao contrário do anterior, já englobaram métodos de tele-reabilitação assíncrona.
Avaliaram 21 RCTs. A metodologia de avaliação de qualidade dos estudos foi de acordo com escala PEDro; com cut-offscore >=7 considerado para estudos com “qualidade alta”. Um total de 2971 doentes com idade média de 65,2 anos foram incluídos na revisão. Os doentes realizaram tele-reabilitação isoladamente ou associada a fisioterapia e compararam com doentes com fisioterapia isolada ou sem qualquer tratamento de reabilitação.
O tipo de tele-reabilitação usada foi com recurso a TIC síncrona (por telefone ou videoconferência, ou realidade virtual com biofeedback visual através plataforma digital de jogo) ou assíncrona (plataforma digital online com exercícios de reabilitação com ou sem uso de sensores movimento).
Os autores demonstraram benefício da tele-reabilitação na Dor e Função. A tele-reabilitação, quando comparada com fisioterapia convencional, proporciona melhoria da dor (outcome primário do estudo) até 3meses de follow-up de doentes submetidos a colocação de prótese do joelho. A dor foi avaliada através da Escala Visual Analógica da Dor. De referir que não verificaram heterogeneidade entre os vários subgrupos dos vários tipos de tele-reabilitação.
A tele-reabilitação, comparativamente com fisioterapia convencional permitiu um aumento da função avaliada no teste “Time up and Go test”entre as 2semanas a 3meses de follow-up, nos doentes submetidos a artroplastia do joelho. Já no teste “6 min de marcha” (quanto menor tempo de marcha melhor função), medido aos segundos, os autores não verificaram diferenças entre a tele-reabilitação e fisioterapia convencional.
Esta revisão tinha como outcome secundário a segurança da tele-reabilitação. O tema da segurança é fundamental, dado que é uma preocupação pelos doentes e pelos próprios profissionais de saúde, e que pode ser uma barreira ao uso da tele-reabilitação. Os autores constataram que o número de eventos adversos sérios foi superior nos doente submetidos a tele-reabilitação (38 vs27doentes) . Contudo salientam que estes eventos não foram diretamente relacionados com o programa de reabilitação e incluem por exemplo necessidade de cirurgia a ráquis, hérnia inguinal, cistocelo, à retina, cirurgia ao joelho contralateral, ou alt gastrointestinais, doença reumatológica, arritmia cardíaca. Excepto dois doentes – um teve uma queda e outro doente apresentou exsudação da ferida cirúrgica após o primeiro exercícios de flexão do joelho. A comparação entre 3 doentes submetidos a fisioterapia convencionalvs4 submetidos a tele-reabilitação, apresentaram rigidez articular e foram submetidos a manipulação por anestesia. Tal como os autores concluem, é necessário mais estudos para avaliação da segurança da tecnologia da tele-reabilitação (quer síncrona ou assíncrona). Contudo dados preliminares não evidenciam riscos acrescidos com a tele-reabilitação, sendo necessário manter uma comunicação regular com os profissionais de saúde no sentido de minimizar os riscos e aumentar a confiança do doente com consequente aumento da adesão ao programas de exercícios de tele-reabilitação.
Em suma, estes artigos visam demonstrar que tecnologia digital apresenta benefícios clínicos em doentes submetidos a artroplastia do joelho. A tele-reabilitação não deve ser vista com uma modalidade de tratamento distinta, mas como complemento à fisioterapia tradicional ou como uma ponte para acelerar e melhorar a eficiência dos cuidados de reabilitação, inclusive em doentes com maior prioridade de reabilitação como os doentes submetidos a cirurgia.
1- Brennan D, Tindall L, Theodoros D, et al. A blueprint for telerehabilitation guidelines. Int J Telerehabil. 2010;2(2):31-34. Published 2010 Oct 27. doi:10.5195/ijt.2010.6063
2- Cottrell MA, Russell TG. Telehealth for musculoskeletal physiotherapy. Musculoskelet Sci Pract. 2020;48:102193. doi:10.1016/j.msksp.2020.102193
3- Cottrell MA, Galea OA, O’Leary SP, Hill AJ, Russell TG. Real-time telerehabilitation for the treatment of musculoskeletal conditions is effective and comparable to standard practice: a systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2017;31(5):625-638. doi:10.1177/0269215516645148
4 – Wang X, Hunter DJ, Vesentini G, Pozzobon D, Ferreira ML. Technology-assisted rehabilitation following total knee or hip replacement for people with osteoarthritis: a systematic review and meta-analysis. BMC Musculoskelet Disord. 2019;20(1):506. Published 2019 Nov 3. doi:10.1186/s12891-019-2900-x